Quem tem o hábito de escrever, criar histórias, dar vida a personagens, tirar a vida dos mesmo, sabe quão difícil é a tarefa do princípio. O quão significante tem de ser um bom começo, para que, assim, aqueles que sempre pensamos quando escrevemos, terão o prazer dedicado ao ato da leitura. Um bom começo é a ferramenta significativa que engrandece um livro e os olhares de um ávido leitor. Por que não se trata apenas de fechar com chave de ouro (tive que recorrer à esse clichê para a clarificação da situação) mas fazer-se em ouro toda a história narrada. É por isso, que refletindo sobre inícios memoráveis da literatura nacional e mundial, separei alguns livros de temáticas díspares que gostei e me identifiquei e resolvi rever seus princípios.
Truman Capote - A Sangue Frio

Clarice Lispector - Um sopro de vida
Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz. Vivam os mortos, porque neles vivemos.
De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim. O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. Decerto tudo deve estar sendo o que é".
J. K. Rowling - Harry Potter e a Pedra Filosofal

O Sr. Dursley era diretor de uma firma chamada Grunnings, que fazia perfurações. Era um homem alto e corpulento quase sem pescoço, embora tivesse enormes bigodes. A Sra. Dursley era magra e loura e tinha um pescoço quase duas vezes mais comprido que o normal, o que era muito útil porque ela passava grande parte do tempo espichando-o por cima da cerca do jardim para espiar os vizinhos. Os Dursley tinham um filhinho chamado Dudley, o Duda, e em sua opinião não havia garoto melhor em nenhum lugar do mundo".
Ian McEwan - Reparação
"A peça - para a qual Briony havia desenhado os cartazes, os programas e os ingressos, construído a bilheteria, a partir de um biombo dobrável deitado de lado, e forrado com papel crepom vermelho a caixa para guardar dinheiro - fora escrita por ela num furor criativo que duraria dois dias e que a levara a perder um café da manhã e um almoço. Terminados todos os preparativos, só lhe restava contemplar o texto pronto e aguardar a vinda dos primos do Norte longínquo. Só haveria tempo para um dia de ensaios antes de seu irmão chegar. A peça, emocionante em alguns trechos, de uma tristeza desesperada em outros, era uma história do coração, cuja mensagem, expressa num prólogo rimado, era a de que todo o amor que não fosse fundado no bom senso estava fadado ao fracasso".
Quando revivemos tais momentos que já foram lidos, percebemos que a arte de começar está longe de nos dizer o tamanho real de um texto, está mais longe ainda de nos mostrar o destino que terá cada personagem. Alguns deles ainda nem apresentados nas primeiras linhas; outros, pincelados com a sutileza das palavras coerentes. Grandes começos, entretanto, não são certezas de um grand finale, como se percebe em muitas obras em que o autor parece afoito por concluir tal ou qual acontecimento e fazer uma abreviação de certos momentos que antes pareciam tão bem digeridos em palavras. Resta ao escritor, o termômetro, praticamente nato, para colocar e construir em palavras aquilo que habita apenas sua imaginação. Outros livros tem inícios, com certeza, muito mais potentes que os apresentados e foram imortalizados por isso, mas também é certo e louvável que hoje podemos todos apreciar o modo particular como cada autor, em seu gênero e mergulhado em sua subjetividade, lida com sua arquitetura das palavras, segue seu devir colocando apenas aquilo que lhe é posto e ao qual está, muito provavelmente, condenado até a morte.
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