quarta-feira, 14 de outubro de 2009

que cidade?

NÃO CIDADE

fernandogilpaiva

Na rua sem nome nenhum morador tinha pretensões de raiz
As casas sem número e uniformes no formato e cor
tinham as carpintarias de um mesmo cidadão, que não era o mesmo de DNA
mas o mesmo de conhecimento - ensino de fabricação;

Quando o passo ligeiro saltava de uma porta à outra
era ligeira a vontade e sorrateira a liberdade
Nessa rua, cada casa era a mesma e mudava
preto e branco, claro escuro, passo não passo

Um dia, numa manhã incomum uma criança brincando
com giz de cera colorido raspou na parede um número
- coisa quase nunca vista, e depois assinou seu nome -
foi como aquela imagem de uma mão com unhas grandes
fortes e com pontas rijas, raspando ruidosamente num quadro negro

Imaginou? Pois foi assim que sentiram os moradores
da rua sem nome. Nenhum pai proclamou paternidade
a menina virou para cada um pedindo silêncio, com o poder do giz em mãos
depois tentou escreveu algum nome que foi interrompido e suprimido

as letras não representaram desapego à palavra
mas o apego à vida que eles possuíam, os mutáveis e flexíveis
a criança emudeceu e entendeu o regimento das casas e das famílias
ela mesmo sentiu-se mais presa àquela casa quando deixou ali um traço seu
e logo viu que toda aquela liberdade vinha aos poucos desaparecendo

aos poucos, cada um foi tentando esquecer aquele número e nome
e voltar às suas rotinas pouco rotineiras
a menina andava com as mãos soltas e as pessoas mudavam-se de lugar
constantemente. Foi assim que na rua sem nome, pessoas sem nome e
casa sem número num tempo banido da identidade e dos apegos que um cidade
fundou-se nos não lugares da constituição.

Eram e não eram.
Foram.

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