domingo, 30 de agosto de 2009

Nacionalizado Estrangeiro
por Fernando Gil Paiva



Nunca li o livro.
Mas tinha a esperança e a ânsia do filme.
Não sabia a sinopse, mas sabia que era um brasileiro estrangeiro e que era do Chico, o Buarque.

É incrível como as palavras têm a capacidade de nos remeter a outras palavras. O cérebro é tão infinito em conexões quanto à Internet. Se o seu cérebro reconhece um texto, seja ele verbal ou não verbal, então o rumo é subjetivo, cada um vai pelo seu caminho.

Ao ver Budapeste não foi diferente. Logo nas primeiras palavras que narravam a história eu já comecei as minhas conexões.


“Quem sabe como compensação, ao me instalar na poltrona da classe executiva, me voltou à língua o sabor do pão de abóbora, e agora de novo ele era doce. Apertei o cinto, fechei os olhos, achei que não ia dormir nunca mais na vida, tomei um sonífero e o avião decolou. Cheguei o rosto à janela, estava tudo nublado, a pílula fazia efeito. Quando se abriu um buraco nas nuvens, me pareceu que sobrevoávamos Budapeste, cortada por um rio. O Danúbio, pensei, era o Danúbio mas não era azul, era amarelo, a cidade toda era amarela, os telhados, o asfalto, os parques, engraçado isso, uma cidade amarela, eu pensava que Budapeste fosse cinzenta, mas Budapeste era amarela”.

Foi quando a primeira conexão surgiu! As palavras de Markus Zusak reviveram por uma fração de segundos e as palavras do pós “amarela” continuaram...

“Chegada à Rua Himmel

Aquela última vez.
Aquele céu vermelho...
Como é que uma menina que rouba livros acaba ajoelhada, soltando uivos e ladeada por um monte de entulho ridículo, gordurento, inventado, feito pelo homem?”*

A fusão de sensações. Lugares que se traduziram por cores. E cores que se concretizaram em palavras.


José Costa, interpretado por Leonardo Medeiros, é um Ghost Writer (Escritor Fantasma) e escreve o livro que será um sucesso de público. Essa é uma constante em suas palavras... Essas que são ele, mas não o são. Fico imaginando a frustração de ter dado vida às palavras e depois ter que entregá-las para outro...

Quando o bebê chegou aos seus braços pela primeira vez
A mão da mãe em prantos segurava
Olhou para o lado e deixou verter a lágrima
O filho então escorreu para outra
Aquela que seria a outra que tomaria o que seu era
E apossaria dos seus genes
E seria ela, a mãe. A outra – já não mais era**


Pode ser assim que tenha sentido o pai das palavras que a cada parto, tinha a sensação da música: “Eu não sabia que existia. Esse outro parto, de partir”. E deixava ir-se o livro, o filho e sem remédios, não tinha como remediar.

A Budapeste de Buarque recebe Kósta Szose por um deslize de seu trajeto, mas um traço certo de seu destino. Ele era um brasileiro, um escritor, no meio de um imenso oposto e antagônico amarelo. Assim como ela era. Lá ele conhecerá Kriska e com isso uma seria de constituições de sua identidade começam a se desfazer; Cada fração que se desfaz deixa o espaço para aquela que está por vir. E surge um novo eu que agora está dentro de seu próprio corpo e não uma alma à deriva e um homem perdido dentro de sua casa, assim como era na sua casa, no Rio de Janeiro.

Outra cena dessa de conexões imediatas foi justamente em um desses momentos de ausência em que José Costa está com sua mulher (Giovana Antonelli). Lá está o homem na cama com sua esposa e ele os observa: Uma mulher com sua alma e um corpo, de outro, o seu. Foi nesse momento que vi sob um truque rápido da memória Diane Keaton e Woody Allen em Annie Hall (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa) e ela saindo de seu corpo para ilustrar a total insatisfação do corpo e até mesmo o momento e sua identidade. As coisas foram ligando e fui-me admirando.

Não bastasse a efusão de pensamentos que estava tendo o filme é certamente uma grande história cujo enredo é tão grande quanto seus personagens. Em outros dois momentos ainda pude me lembrar de Woody Allen, um momento de “Crimes e Pecados” e outro de “Scoop”, mas o de Annie Hall foi o mais marcante e mais visível.

Leonardo Medeiros, José Costa e Kósta Szose se perdem e se encontram. Fazem de Budapeste uma nova Budapeste e se integram à ela. A alma de volta ao corpo faz ressurgir as palavras do escritor que é e agora ele é capaz de encontrar um novo “eu” dentro de um universo que é completamente alheio ao seu.

Se não somos o bastante,
Se somos parte de um todo
Na luta pela completude
Onde estará o ‘eu’ complementar?
Dentro de si? Ou em outro ‘eu’
Que o fará ‘um’ se você for metade
Que o fará ‘dois’ se vocês forem ‘um mais um’***


Das palavras do autor, presentes do livro de Buarque e no filme do diretor Walter Carvalho (de Abril Despedaçado), posso dizer que se trata de um filme épico, no conceito de sua grandeza e de planos e situações tão lindas e maravilhosas como a chocante cena em que um barco leva pelo Danúbio a estátua esquartejada de Stálin. Que me faz ter um duplo acesso: à estátua de Lênin sendo carregada pelo helicóptero pós-queda do muro de Berlin em “Adeus, Lênin” e a estátua do santo também levado por um helicóptero em “La Dolce Vita” - na cena inicial.


Termino a trama infinita com o leite, não o Leite Derramado, mas aquele que fora sorvido.
“E a mulher amada, de quem eu já sorvera o leite, me deu de beber a água com que havia lavado sua blusa”. ****
*Trecho do livro A Menina Que Roubava Livros, de Markus Suzak. Editora Intrínseca, 2007.
**/*** Trecho complementar escrito por Fernando Gil
**** Trecho de Budapeste, de Chico Buarque.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

+ cinemaníaco

O que vem por aí!


Up! Altas Aventuras - Dia 4 de Setembro.

Uma Prova de Amor - 11 de Setembro


Nove, A Salvação - Dia 09 de Outubro

O Solista - Dia 16 de Outubro

domingo, 23 de agosto de 2009

Memória Musical
por Fernando Gil Paiva

Se abri o espaço no blog para falar de pessoas que eu considero memoráveis, seus aniversários, seus desaniversários, suas conquistas, seus filmes, seus livros, seu legado, criei o hábito de, sem querer, sempre olhar de quem era o grande dia. E posso dizer que é sempre coincidente, uma supresa diária se eu conheço o rosto da foto do dia. Hoje, então, acabou que não será diferente.


Vamos falar de musicais e de como o grande público se encantou com os atores/diretores/dançarinos/bailarinos que lotaram os títulos mais inesquecíveis desde o início do cinema. E o melhor de tudo foi que já naquela época já se era possível ter uma memória do cinema, de como era o cinema dez anos, cinco anos antes da data do filme dada a velocidade com que seus arsenais evoluiam. Alguns filmes contaram as histórias do rádio/som, de como foram feitas as maiores conquistas nos meios midiáticos, de como o mudo se tornou falado e de como tudo aconteceu de uma forma mágica e deslumbrante.

Mudo ao falado. Isso já foi falado. Foi assim que a história de Cantando na Chuva é contada, de um modo cheio de lembranças para nós hoje, que já eram lembranças para eles em 1950. E Gene Kelly, que é quem eu não gostaria de passar em branco, não apenas fez deste um clássico mas muitos, muitos outros como Sinfonia em Paris (este não como diretor) e Olá, Dolly! (este sim como diretor) que ano passado foi tratado como relíquia em Wall-E.


O pequeno robô abandonado na Terra via e revia a cenas de dança e romance.

http://www.youtube.com/watch?v=mVoiJgaDaLQ&feature=related

Antigamente, as histórias e os cenários moviam-se pelas pelas canções e essas davam base e argumento para tudo que precisava existir. Os musicais mudaram. Mas continuam sendo musicais. Alguns de retomada clássica, outros com a releitura do clássico, outros completamente novos e recontextualizados. A arte da música no filme/cinema não é elemento isolado - ela anda lado a lado, seja no personagem que canta, seja no personagem que ouve, seja para aquele que encena e que a música é mais para nós que vemos do que para ele. O fato é que todos são movidos por música. E que se o texto também também pudesse assim ser guiado, assim o seria. Escrito em notas músicais.

E fecho com o Gene Kelly que em 1996 eternizou sua música e sua dança no momento em que selou sua passagem, não sua existência. Gene nasceu hoje, há 97 anos atrás.

http://www.youtube.com/watch?v=nCSUsF_YEe0

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Olá, parceiro!

Hello, partner!

por Fernando Gil Paiva

Foi tudo muito por acaso, mas essa descoberta veio muito bem e em boa hora! O primeiro filme com Peter Sellers que vi, me lembro que nem prestei atenção em quem era porque ele estava ao lado de Woody Allen no filme "O que é que há, Gatinha?", então, naquele momento eu não sabia muito sobre Sellers. Sabia mais sobre Allen.


Mas depois, por meio da coleção 50 clássicos da Veja, eu acabei comprando sem conhecer "Um Convidado Bem Trapalhão" que de um modo único pude ter as boas sensações das comédias de ingenuidade. O indiano Hrundi V. Bakshi, muito bem interpretado por Sellers, trouxe na memória o que Blake Edwards sabia fazer tão bem - boas comédias, assim como fizera na série da "Pantera Cor de Rosa" e no inesquecível "Bonequinha de Luxo", com Audrey Hepburn. Foi tão bom que depois de ter visto 'Um Convidado...' eu quis ver de novo e no fim de semana eu vi novamente e quis também que as pessoas vissem.


Outro dia também por acaso descobri uma produção da HBO chamada "A Vida e Morte de Petter Sellers" com a incrível interpretação de Geoffrey Rush e as participações de Emily Watson, Charlize Theron e Stanley Tucci (interpretanto o imortal Stanley - o Kubrick). Uns seis meses depois achei o dvd do filme e não resisti. No mesmo dia também achei "Muito Além do Jardim" o que foi o último grande filme de Peter Sellers. Na verdade, ele faria O Diabólico Dr. Fu Manchu (1980) que não fez sucesso nem com o público nem com a crítica. Mas esse foi apenas um trabalho isolado perto de seus personagens extremamente excêntricos e diferentes como o capitão Lionel Mandrake, o Presidente Merkin Muffley e o Dr. Fantástico - todos os três personagens em um mesmo filme (de Stabley Kubrick, "O Iluminado" e "Laranja Mecânica") - "Dr. Fantástico ou como aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba". Grandes profusões em tão pouco espaço e tempo.



Na produção biográfica de Petter, a excentricidade não fica apenas em seus personagens mas isso de certo modo influenciou diretamente sua vida pessoal, que em muitos momentos da história percebíamos que havia uma grande dificuldade em se separar o Peter de qualquer personagem que fosse, ou talvez houvesse uma grande habilidade do ator em se fixar em seus substratos.


Talvez isso tenha sido negativo em certos momentos, pois tirou Peter do rumo de muitas possibilidades. Coisas que ele nunca perdeu - a intensidade de vida, a intensidade da vida. Assim, ele viveu cada dia, trabalho e família... estáveis ou instáveis... mas viveu. Brigando, amando, explodindo, acalmando e assim por diante. De modo um tanto quando exigente, esse rígido virginiano acreditou em seu potencial e fez com que seu trabalho se tornasse inesquecível e eterno, mesmo que a vida tenha sido curta e ele tenha partido aos 55 anos sob o ápice da exigência e do clímax vital/mortal. Em memória ao Peter e próximo ao seu "aniversário que seria". Peter nasceu em oito de setembro de 1925 e faleceu em 24 de julho de 1980 após uma parada cardíaca.

Peter Sellers ao lado de Sohia Loren, com quem autou e também se apaixonou.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

+ virtual

O texto não tem fim
por Fernandos

Já disse o poeta:

"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Fernando Pessoa, já citado aqui, jamais deve ter imaginado que cada uma de suas palavras pudesse hoje, dentro de um contexto cibernético, estar tão mais ampliado do que no momento em que foi concebido. Afinal, cada palavra que um dia foi do papel, é hoje uma palavra somada às infinitas possibilidades desse mesmo termo estar presente em outra frase e fazer parte de outra história.

E não são apenas os hiperlinks que correspondem a essas possibilidades, mas também a todo tipo de material associado que pode instigar o leitor a fazer o texto se multiplicar, sendo reescrito pelo leitor em uma nova ótica livre de qualquer amarra “página após página”; e sim estendendo-se à frente, para trás, para os lados, para cima e para baixo. As palavras não são apenas aquelas e sim, tudo o que ela pode fazer (na subjetividade de qualquer indivíduo) no momento em que é lida.

Se navegar era preciso, e viver não era preciso em algum momento, hoje, ambas são palavras de imprecisão, afinal...

Navegar não é preciso; viver não é preciso.

Cada um é autor de sua própria rota.
Aviso aos navegantes que as rotas nunca se repetem.
Você faz o mapa de acordo com o tesouro que tende a encontrar.
Cada viagem passa a ser do tamanho que tem que ser, do tamanho da instigação do leitor /escritor e não mais as viagens do tamanho das linhas e pela quantidade restrita de caracteres contados em um espaço limitado.

O espaço é infinito, tal qual o poder de expansão de cada letra de cada fonte que é inserida aos bilhões em cada milésimo de segundo dentro da internet em algum lugar que você jamais imaginaria no mundo (aqui, por exemplo).