quarta-feira, 17 de junho de 2009

Artigo: “A responsabilidade ética com a informação” Parte I


Os dias em que a Imprensa não parou

por Fernando Gil Paiva


O dia de ação de graças da família Friedman, em 1987, Long Island (EUA), seria o último a provisionar a vida pacata e pouco perturbada que tinham. O patriarca, que trabalhava como professor de computação em casa, estava prestes a receber a notícia que interromperia suas perspectivas e planos de vida. Eis que chega a acusação: Arnold Friedman, 56, acusado de pedofilia.

A confirmação da denúncia se concretiza quando a polícia local encontra o dito material pornográfico escondido na sala do pai, num cômodo isolado. Indícios acabam culminando em processos que envolviam o filho Jesse, de 18 anos. Ambos eram, agora, acusados de pedofilia contra os alunos de Arnold.

As averiguações da polícia somente lhes traziam as informações que queria que chegassem. Os alunos de não mais que 13 anos acabaram compelidos a afirmar as acusações de violação sexual, ou seja, o julgamento de Arnold e seu filho apenas piorava.

As notícias que passaram a veicular no caso dos Friedmans, no momento, já estavam tão distorcidas que os envolvidos não tinham mais como se dissociar da mentira plantada na casa. A própria mulher de Arnold tentava induzi-lo à confissão. As mídias locais apenas forneciam os dados da polícia e daqueles que estavam à frente das investigações. Não havia preocupação nem dúvida quando àquilo que chegava. Verdade ou não, era notícia.

Com isso, de modo que os outros filhos e parentes próximos de Arnold ainda não conseguem explicar, afirma seu irmão no documentário Na Captura dos Friedmans[1], ele assume a culpa perante a corte. Havia pressão vinda de todos os lados: da mulher que não creditava verdade à sua pessoa, da impotência diante da possível prisão do filho, da polícia que continuava lançando falsas denúncias e do próprio medo sobre aquilo que poderia acontecer.

A prisão de Arnold ocorreu após suas declarações de culpa e não demorou muito para que Jesse, sem opções diante das múltiplas penas que sofreria e da pouca chance de explicar algo que nem eles tinham conhecimento da gravidade, também se declarasse culpado.

O fim da história para a família Friedman tão cedo não iria acabar. As notícias não foram desmentidas. Anos depois, diversos depoimentos de alunos contavam que não se lembravam de ter visto ou presenciado tais abusos. Tudo isso tarde demais para recompor a família fragmentada. Os filhos de Arnold se distanciaram da mãe após o divórcio, Jesse passou 13 anos na prisão e Arnold cometeu suicídio 13 anos antes, quando soube que suas medidas e decisões não salvaram seu filho.

O descaso com a verdade ou até mesma a falta de busca por ela foram os grandes culpados pelo modo como a história da tradicional família Friedman acabou. O fato é que o poder da palavra que a imprensa detém e também sua confiabilidade é muito grande, já que o público aprendeu, desde cedo, a acreditar naquilo que é transmitido pela televisão, que é escrito pelos jornais e que lhes é passado de forma tão crível.

Outra parte desses casos também acaba sendo alimentada pelo desejo das pessoas em comprar esse tipo de notícia que ultrapassa os limites do humano. O sensacional fica tão evidente que se transforma em espetáculo. Em algumas situações, este acaba virando um grande circo de horrores que vende seus “ingressos” até mesmo nas matinês.

[1] “Na Captura dos Friedmans” (Capturing the Friedmans). Documentário, 2004. Direção de Andrew Jarecki.

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