quinta-feira, 18 de junho de 2009

Artigo: “A responsabilidade ética com a informação” Parte II


Os dias em que a Imprensa não parou

por Fernando Gil Paiva

A Escola Base


No Brasil, um dos casos mais marcantes foi o da Escola de Educação Infantil Base, no bairro da Aclimação, zona sul de São Paulo. Aqui, o ano de 94 seria o pontapé inicial para deflagrar o fim de algo promissor. A escola Base contava com 72 alunos e vinha sendo reestruturada pelo casal Shimada (Ayres e Cida) e outros professores e funcionários, após terem-na comprado quase à beira da falência.

Tudo começaria com uma pergunta sobre sexo, partida de um aluno de 4 anos à sua mãe. A partir de então, começa o grande desenrolar de algo que nunca existiu. As deduções tomaram um rumo tão devastador quanto o dos Friedmans (post anterior).

Os depoimentos revelaram que as crianças teriam conhecido os termos sexuais a partir de um jogo de vídeo-game e uma fita pornográfica vistos na casa de uma das crianças da escola aos “cuidados” de seu pai. Seguia também a informação de que esse pai o teria agredido a tapas e que a criança teria sido beijada por uma mulher oriental, bem como testemunhado – a curta distância – um ato sexual.

Com as primeiras informações noticiadas a respeito de um possível caso de abuso sexual de crianças, as pessoas ficaram divididas – uns pediam a punição dos acusados e outros duvidavam que o casal Shimada e outros pudessem estar envolvidos. Não demorou muito para que surgissem as primeiras reações de ira por parte da primeira metade (aquela que leu e acreditou). Durante a noite, um coquetel molotov seria lançado em uma janela – incêndio que não ocorreu, pois um funcionário dormia no local. A população preferia optar pelas medidas rápidas e de solução imediata com a justiça pelas próprias mãos.

Observa-se, então, que a imprensa já começava a montar o seu espetáculo, mostrando aquilo que achava ser pertinente e omitindo fatos como o de que na busca feita na escola Base e na casa do pai do colega da ‘suposta’ primeira vítima nada fora achado para ser usado como prova.

Os 7 acusados – donos, professores e outros funcionários – em seus depoimentos, sofreram o que denominaram “pressão psicológica”, como consta na obra de Alex Ribeiro (Caso Escola Base – Os Abusos da Imprensa, 1995), mas que também podia ser entendida como “pressão física”. Logo, começaram a ter que viver escondidos para evitar perigo maior com o início do linchamento da ordem midiática.

As perícias seguiam com as buscas e depoimentos. Nos jornais, via-se o show da falta de compromisso com a verdade. “Narrar declarações e atos administrativos de uma autoridade oficial seria a maneira correta de levar ao ar uma denúncia frágil como aquela” coloca Alex Ribeiro na obra supracitada. “... quem aceitou as acusações e abriu inquérito foi a polícia; a imprensa apenas noticiou”, continua.

O conceito de “intenção de narrar” acaba prejudicado com a falta de compromisso com a opção de se chegar a uma informação mais acessível. A revista Veja, por exemplo, logo quando lançada na década de 60, chegou a instituir um departamento para checar todas as informações que publicava. Isso vinha como cópia da bem sucedida da revista Time americana. “Ninguém tinha um grupo de pessoas checando a veracidade e acuidade da informação escrita pelos jornalistas, antes de ser publicadas”, coloca Thomaz Souto Corrêa, autor do texto “A era das revistas de consumo[1]”. Porém, essa inovação gerou um grande fracasso financeiro para a revista que tão prontamente desintegrou a equipe.

Esse preço – seria ele mais caro do que pagar com a vida dos muitos inocentes falsamente incriminados por palavras de força e verdade da mídia?

O caso da escola Base continuou e as acusações de agressão de mais crianças também. O laudo do IML do primeiro menino, que indicava a possibilidade de ato libidinoso, acabou não deixando dúvidas para a família e oficiais, como o delegado Lemos que se mostrou tão a par de tudo que acontecia, mas que, na verdade, só prejudicou os acusados – estes seguiam reclusos e assistiam a escola ser vandalizada pela população descontente. O delegado planejava uma emboscada para dois dos casais envolvidos, Ayres e Cida e Paula e Maurício (professora e marido possível agressor das crianças) que haviam recebido voz de prisão, mas que não se tinha conhecimento de tal até poucos momentos antes do encontro com Lemos. O terceiro casal – Saulo e Mara, também funcionários – foram presos na mesma noite assim que saiu a voz de prisão.

Depois disso, dois fatos relevantes. Primeiro. O exame do IML não comprovava o ato libidinoso e – sim – dava possibilidades (a mãe da criança, depois, até confirmaria assaduras e problemas intestinais do filho); Segundo. A polícia envolvia outro inocente – um estrangeiro. Na contínua busca por provas, a polícia chegou à casa de Richard Pedicini, que cedia a piscina de sua casa para as crianças do bairro nadar. Como as vítimas do caso da escola Base se afeiçoaram a alguns objetos da casa, como um móbile de abelha, associou-se isso a um prévio conhecimento do local. E, mais uma vez, a imprensa e a polícia caíram no erro do julgamento precipitado e da informação não checada. O americano foi preso, porém libertado dias depois.

O que tinham feito os pais para tirarem todas as informações dos filhos? O que tinha feito a polícia e a imprensa? Tudo levava a questões de juízos de valor. As perguntas eram induzidas às respostas que queriam. Com isso, era claro que o desenvolver do caso levaria para o grotesco. A “escolinha do sexo”, “dos horrores”, as “tias que torturavam as crianças”, “a escola que pode ter drogado...”, os “monstros da Aclimação”, todas essas falas levaram a um só caminho – os sete acusados nunca mais teriam suas vidas de volta.

A falta absoluta de provas já era a prova maior de que uma informação desconexa no início causou o terrível mal entendido. A Escola de Educação Infantil Base não tinha como voltar a se reerguer e nem mesmo os que ali trabalhavam.

A imprensa pediu desculpas, notificou-se e assumiu a culpa, mas isso ainda foi pouco para reparar algo tão massacrado. Ambos os casos – da família Friedman e da escola Base – resumem-se à falta de responsabilidade ética com a informação. Foram atos desmedidos que a imprensa e as partes investigativas agiram pelo impulso de informar, ser rápido e justo em seu julgamento. Não era concebível que pessoas como Arnold e Jesse (da família Friedman) ou Ayres e os outros integrantes da Base ficassem impunes diante de atos tão vis.

Arnold Friedman até poderia pagar pela acusação de pedofilia, que não ia além, mas acabou sendo vítima da mesma cilada que deu fim à escola Base. O espetáculo para as duas terminou e as vidas dos que ficaram continuam marcadas pelos anos (87 e 94) que deram início ao fim de suas tranqüilidades.

As palavras, afinal, constroem a informação. A informação, entretanto, de palavras que não são verdadeiras, desconstrói aquilo que deveria ser real.

[1] MARTINS, Ana Luiza; DE LUCA, Tânia Regina. Organizadoras. História da Imprensa no Brasil. Editor Contexto, São Paulo, 2008.

Um comentário:

  1. Ao reler esse epsódio trágico, corroeu minha alma, e lembrando do filme Dúvida, vieram vários motivos por que devemos antes de afirmar qualquer coisa ter certeza. A notícia ruim sobressai aos comentários de sucessos?
    Quem alimenta as almas por novidades nos noticiários é o sangue jorrado?

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