domingo, 26 de abril de 2009

Um metro e vinte de pernas!

por Fernando Gil Paiva
Uma policial grávida caminha em direção a um carro que horas atrás havia capotado na lateral de uma rodovia parcialmente coberta de neve. Ela se curva para olhar dentro dele e aí começa a investigação de alguns assassinatos. Frances McDormand, a mulher descrita, pode não ser a portadora das longas pernas, mas talvez esteja lá por causa de alguém que as tem. E esse nome, na verdade, vem em duplicidade – Coen. Joel e Ethan Coen. E com eles a máxima conhecida: a mentira tem pernas curtas.

Muitos já foram condenados friamente por sustentar mentiras por muito tempo. A inquisição queimou milhares. Os tribunais condenam outros tantos por falsos testemunhos, outros são consagrados pela omissão da verdade, outros, por induzir à mentira. Não que isso seja ruim, de modo algum, a mentira consagrada é tal qual uma breve cegueira branca, a do Saramago mesmo. Se ela for igual à da história, uma hora passa e depois tudo volta ao normal e no fim das contas isso até nos ajudou a ver as coisas de um modo diferente.

Pois bem, voltando aos Coen, esses dois irmãos – escritores e diretores – quiseram dar uma prévia do que era seu talento, antes de fazer O grande Lebowski (1998), E aí, meu irmão, cadê você? (2000) e Onde os Fracos Não tem Vez (2007) contando uma história chegada às aproximações do público por ser baseada em fatos reais. Há que se convir que o telespectador já concede alguns pontos apenas por esse fator, senão, o mínimo é começar assisti-lo com um olhar diferenciado.

Quem morreu no carro capotado fazia parte de uma bola de neve que já estava rolando desde uns dias atrás na história. Fargo, a cidade e também o nome do filme, é o lugar de origem da idéia que William H. Macy tenta emplacar quando decide forjar um seqüestro. O desenvolver dessa história é o que move o fascínio que segue. O revendedor de carros interpretado por Macy tem que se virar muito bem pra esconder suas mentiras sob um estado coberto de neve (Minesota) que, por sinal, fica facilmente manchada por sangue logo que tem a oportunidade.

As agulhas dos Coen vão tecendo, tecendo, firmando cada personagem desde o seqüestrado, os autores da ação e também os que participam voluntária ou involuntariamente da bola de neve ou seria bola de mentiras? Bom, falar de Fargo é falar de uma boa história. E que história! Pois faz qualquer um ficar se repetindo durante o filme: Como? Como? Como? Como? Sem falar naquela mesma frase inicial se repetindo: “Esta é uma história real. Os eventos descritos no filme ocorreram em Minesota em 1987. A pedido dos sobreviventes, os nomes foram trocados. Por respeito aos mortos, o resto foi contado exatamente como aconteceu”. Que filme!

É por isso que algumas mentiras conduzidas são louváveis. Graças aos Coen, à Frances, ao William e também aos outros atores, pode-se inserir numa ficção de alto estilo. Uma daquelas que faz você continuar se questionando Como? por mais um bom tempo. E daí se nos fizeram crer que essa história era verdade? Quantos outros hoje contam coisas piores? Uma cegueira dessas não tem preço! O mais interessante é que os Coen também não fizeram questão de fazer com que as pessoas tivessem apego ao detalhe, mantiveram suas longas pernas bem escondidas, mas até mesmo as mais longas acabam por aparecer atrás da roupa que deslizou e se deixou mostrar.

Para quem viu o filme e tentou analisar cada passo da história de Fargo ficou a ver navios, depois à deriva, depois a contemplação. “Se a platéia acredita que o filme é baseado em um fato real, dá a você a permissão para fazer coisas que de outro modo não aceitaria”, disse Joel em um momento após o filme ser descoberto. Quando você entra numa sala de cinema, concorda que vai para ver algo que é fictício, por mais que tente ao máximo representar o real. Se objetos ou palavras de ludibrio tentam vetar seu argumento, então você também aceita e admira o fato de alguém ser tão ousado por tentar enganá-lo mais de uma vez e conseguir fazê-lo.

Algumas verdades são melhores escondidas.

Fargo (1996)

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  2. FARGO !! Nossa uma sequência de emoções!! Podemos dizer que parece com a sua história, ou seja SONORA? Fernando fala um pouco de Sonora p/ gente!!Matar saudades rsrsr!! Bjs

    ResponderExcluir